Minha história começa em 1999, onde pela primeira vez senti em meu coração uma vontade enorme de doar meu tempo e dedicar a minha vida para servir outros, especialmente os mais necessitados. Depois de muito planejamento e espera, em 2006 eu embarcava em minha primeira viagem ao continente Africano.
Tirando toda a animação e felicidade por estar realizando um sonho, algo que muito desejei, é importante também falar do choque cultural. Sim, eu estava feliz e ao mesmo tempo impressionada com tudo que estava vivendo e ouvindo.
Naquele primeiro ano visitei 3 países diferentes, com línguas e dialetos diferentes:
Cabo Verde, um país de língua Portuguesa (Portugal) e Crioulo de origem francesa; a Gâmbia de língua Inglesa e vários dialetos; e Senegal onde o a língua oficial é o Francês, mas há vários outros dialetos! E acredite, o Idioma era apenas uma das muitas barreiras culturais…
Mas hoje quero contar um pouco sobre Cabo Verde.
Situado no oeste da África, esse país vem se tornando a cada dia mais matriarcal. Ao longo de sua história, a família cabo-verdiana tem sofrido algumas mudanças e consequentemente também a sociedade, onde a mulher passou assumir a responsabilidade de liderança da família por diversos motivos, dentre eles o mais comum é imigração do homem para países europeus em busca de melhores empregos e condições para uma vida mais digna.
Na ausência do homem, a mulher passou a assumir uma posição de destaque na sociedade e quando essa não consegue emprego, sai pelas ruas vendendo peixe ou legumes com uma bacia na cabeça e muitas vezes com o filho mais novo pendurado em suas costas.
Sem a presença paterna no seio da família, a mulher cabo verdiana é obrigada assumir o papel de mãe e também de pai na criação dos filhos.
Desde mesmo antes da independência do país, o homem cabo-verdiano já deixava a sua pátria e família, saindo para o exterior em busca da tão sonhada vida melhor, não é uma decisão fácil deixar para trás amigos, esposa e filhos que com o passar dos anos já nem o reconheceram como pai, pois nunca tiveram essa referencia ou até mesmo a presença efetiva do pai.
Se por um lado essa imigração ajudar a amenizar a pobreza extrema de algumas famílias, ja que alguns maridos mandam parte de seus salários para ajudar financeiramente na criação dos filhos e com as despesas da casa, por outro lado tem desestabilizado toda uma sociedade que precisa se adequar a nova realidade, e infelizmente não são raros os casos onde o homem constitui uma nova família no exterior, abandonando completamente mulher e filhos em Cabo Verde.
Lembro me bem particularmente do caso de uma mulher cujo o pai havia ido para os Estados Unidos quando ela ainda era bem pequena e infelizmente ele só lembrava dela na ocasião das festas de final de ano e quando finalmente ele telefonou foi para dizer que mandaria uma boneca como presente de natal, ela me contou isso em prantos pois o próprio pai não havia percebido que o tempo passou e que agora sua filha já era uma mulher adulta e não mais a menina que ha anos ele deixara para trás. Tudo que ela precisava naquele momento era da presença do pai nos momentos importantes de sua vida adulta e quem sabe na vida dos netos.
Infelizmente casos como esses são comuns e cada dia se repetem mais e mais.
É muito importante oferecer apoio e suporte psicológico, emocional e espiritual a todos os membros dessas famílias desestruturadas, pois muitos perderam a identidade de sua função e papel dentro dessa estrutura, e toda essa desordem é um terreno muito fértil para mágoa, rancor e sentimentos ruins. Alem de todo apoio emocional, a instituição pela qual sou voluntaria em Cabo Verde, oferece também palestras informativas e formação profissional a jovens e adultos que são considerados de risco para que possam tomar as rédeas de suas vidas de forma saudável e eficaz.
Patricia Santo é natural de Salvador -BA, e há 15 anos atua como missionária voluntaria em projetos sociais pela JOCUM (Jovens com uma Missão) em países da África. Já morou no Senegal e Gambia e atualmente mora em Cabo Verde, onde desenvolve projetos de ajuda emocional, espiritual e qualificação profissional as famílias cabo verdianas.